A tentativa de golpe na Bolívia é um lembrete sombrio das contínuas ameaças à democracia na América Latina. A análise crítica deste evento deve abordar vários aspectos fundamentais: o contexto histórico e político, os protagonistas e seus motivos, o impacto nas instituições democráticas e as implicações para o futuro.
A Bolívia, como muitos países latino-americanos, possui uma história marcada por golpes militares e instabilidade política. A transição para um governo civil democraticamente eleito é um processo relativamente recente e ainda frágil. O retorno das forças militares à política ativa, especialmente através de tentativas de golpe, reaviva memórias dolorosas de autoritarismo e repressão.
Os militares, liderados pelo general Juan José Zúñiga, representam uma facção dentro das Forças Armadas que não se conforma com a submissão ao poder civil. O discurso de tutela das instituições é uma justificativa clássica usada por militares golpistas para encobrir seus verdadeiros interesses: a manutenção de privilégios e a resistência a qualquer tipo de reforma que possa diminuir sua influência e poder.
A invasão do palácio presidencial e a circulação de imagens de tropas e blindados nas redes sociais são ataques diretos à Constituição boliviana. Estes atos representam um espancamento das instituições que deveriam ser protegidas pelas mesmas forças militares. Mesmo com a prisão do ex-comandante do Exército e o retorno das tropas às casernas, o dano à confiança pública nas instituições democráticas é significativo. A fragilidade da democracia boliviana fica exposta, demonstrando que o golpismo ainda é uma ameaça latente.
A comparação com o Brasil é inevitável. O ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados militares utilizaram um discurso semelhante de desconfiança nas instituições e de autoproclamada tutela da vontade popular. Generais como Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira participaram ativamente do projeto golpista. A falta de punição severa para os envolvidos em conspirações contra a democracia, tanto no passado quanto no presente, perpetua a cultura do golpismo nas Forças Armadas.
O momento exige uma revisão legislativa tanto na Bolívia quanto no Brasil. É crucial garantir que os militares permaneçam nas casernas e que a política seja deixada para os civis. Isso inclui a implementação de medidas que impeçam a distorção da Constituição por extremistas e a punição exemplar para militares que conspiram contra a democracia. O fracasso em aprender com os erros do passado, como o golpe de 1964 no Brasil, pode levar à repetição de tais tragédias em 2022 e 2023.
A tentativa de golpe na Bolívia não é um evento isolado, mas sim parte de um padrão preocupante na América Latina. A presença de militares dispostos a desafiar governos civis democraticamente eleitos é uma ameaça constante que deve ser enfrentada com vigilância e reformas institucionais. Apenas assim será possível fortalecer a democracia e impedir que insurreições criminosas, encobertas por discursos de tutela, voltem a assombrar o continente.
Pitter Lucena é jornalista e escritor acreano nascido nos varadouros de Xapuri
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