Verão começa com rio Acre abaixo da cota de alerta máximo para vazante
A situação é de alerta máximo com previsões de verão intenso e prolongado para 2024. Falta de investimentos para modernizar e adaptar serviço de captação e distribuição de água ao “novo normal” de nossa crise climática agrava cenário; prefeito enviou plano de mitigação para lixeira. Governo apresenta proposta para crises do rio Acre que há tempos já são discutidas, mas nunca tiradas do papel.
Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco
O mês de junho, conforme as nossas tradições regionais, traz com ele o chamado “verão amazônico”. É o período da seca, quando as chuvas ficam escassas e as temperaturas elevadas. Nos últimos anos, todavia, este período de nosso calendário do clima tem ficado prolongado e severo, com estiagens que vão além dos meses comuns para seu fim – como setembro e outubro -, as chuvas ainda mais raras e os dias muito quentes (além do habitual). E para 2024 a situação não é diferente, como os cientistas do grupo trinacional MAP já tinham alertado lá em fevereiro.
Estamos no comecinho do verão e o rio Acre encontra-se em níveis críticos de vazante ao longo de toda a sua extensão – isso tudo, vale lembrar, após o manancial ter registrado a segunda maior alagação da história no começo de março em Rio Branco, e a maior já ocorrida em Brasiléia. A continuar a escassez intensa de chuvas até meados de outubro, o abastecimento de água potável pode ficar seriamente comprometido para metade da população acreana.
De acordo com dados do Centro Integrado de Geoprocessamento e Monitoramento Ambiental (Cigma), o rio Acre estava na cota de 2,12m na manhã desta segunda-feira, 10. A cota de alerta máximo para seca é de 2,69m; já a de alerta é de três metros. Ainda em maio – quando em tese estaríamos na transição do inverno para o verão – o manancial já estava abaixo da cota de alerta, mostrando o seu comportamento de extremos máximos em intervalos de tempo tão curtos.
O rio Acre é a principal fonte de captação de água para todas as cidades localizadas ao longo de seu leito, incluindo a capital. Nos últimos anos, o prefeito Tião Bocalom (PL) tem apostado todas as suas fichas num Plano B, que seria a perfuração de poços. A medida se mostrou inviável conforme as perfurações demonstraram a inviabilidade de abastecer um município com 364 mil habitantes com poços com volume de água insuficiente.
Ano passado, em entrevista ao Varadouro, o geógrafo Claudemir Mesquita já tinha definido o Plano B de Bocalom como um “tiro no pé”. E talvez até nos dois pés. Semanas atrás, durante audiência pública na Câmara Municipal, o diretor-presidente do Serviço de Água e Esgoto de Rio Branco (Saerb), Enoque Pereira, já falou em Plano C para a capital enfrentar a crise hídrica num eventual colapso do rio Acre.
A solução seria fazer a captação a partir da Bacia do Riozinho do Rola, principal afluente do rio Acre na região. Ao Varadouro, Claudemir Mesquita também tinha proposto o rio Iquiri como alternativa.
Além da escassez de água em sua única fonte, Rio Branco enfrenta outro grave problema: a precarização da sua estrutura de captação, tratamento e distribuição. Maquinários e redes se encontram sucateados. Nos últimos anos são recorrentes os casos de bairros que ficam dias e mais dias com as caixas d’água vazias.
A falta de investimentos na melhoria leva o serviço ao colapso. A situação fica agravada com a omissão histórica dos governos em colocar em prática políticas de recuperação e recomposição da mata ciliar do rio Acre, altamente impactado pela atividade agropecuária às suas margens.
Além da crise climática, a falta de gestão e políticas públicas deixa a capital acreana em situação de extrema alerta. Em abril, o prefeito Bocalom decretou situação de emergência no serviço de abastecimento por conta da erosão na Estação de Tratamento de Água da Sobral, a ETA 2, que compromete a infraestrutura de captação da unidade, responsável por fornecer água para 60% da cidade.
Na semana passada, o gestor esteve em Brasília para cobrar urgência do governo federal na liberação de recursos para obras de investimentos na ETA 2. Sejam com as secas ou as enchentes extremas, a capital é impactada pelas crises hídricas, que passaram a ficar recorrentes com as mudanças climáticas – e a completa omissão do poder público. Mesmo Rio Branco tendo um plano de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, o gestor bolsonarista preferiu enviar o documento para a lixeira.
Muitos estudos – ações zero
No fim de maio, a Secretaria Estadual de Habitação e Urbanismo (Sehurb) apresentou estudo contendo diagnósticos da Bacia do Rio Acre. De acordo com o governo, o objetivo é colocar em prática medidas que precisam ser tomadas para mitigar o impacto das constantes enchentes registradas na bacia do manancial. O estudo fez um levantamento detalhado das características hidrológicas da Bacia do Rio Acre, incluindo padrões de precipitação, níveis de vazão e variações sazonais, além de identificação de áreas vulneráveis a enchentes, mapeamento de riscos e análise das causas subjacentes.
Os impactos ambientais foram destacados pela ótica da interferência na biodiversidade local, ecossistemas aquáticos e qualidade da água. Foi feita, ainda, a análise dos efeitos das mudanças climáticas sobre a frequência e intensidade das enchentes na região.
Para o período crítico das secas extremas, o documento propõe a construção de reservatórios de pequeno e médio portes; implantação de reservatórios comunitários e em propriedades rurais e gestão desses tanques para múltiplos usos. O estudo seguiu de Assis Brasil até Porto Acre avaliando detalhadamente cada especificidade.
Já para as épocas de alagação, as medidas propostas são:
- Implementação de obras de drenagem e canalização para aumentar a capacidade de escoamento das águas pluviais;
- Manutenção e limpeza periódica de canais e galerias para prevenir obstruções e inundações;
- Definição de áreas de risco e restrição para ocupação urbana, evitando a construção em áreas suscetíveis a enchentes;
- Promoção de práticas de uso do solo sustentáveis e conservação de áreas de proteção ambiental;
- Implementação de sistemas de monitoramento hidrológico em tempo real, para detectar precocemente o aumento dos níveis dos rios;
- Estabelecimento de protocolos de alerta e planos de evacuação para comunidades vulneráveis.
A proposição destas medidas são elementares, e há tempos já são discutidas pela sociedade civil e os governos. Entra governo, sai governo, porém, tudo fica no papel. Como se vê, tanto o Palácio Rio Branco quanto a prefeitura já sabem o que precisam e devem fazer – estão bastante subsidiados do ponto de vista científico. Falta-lhes apenas boa vontade política para agir.
A crise climática está aí. Somos afetados cada vez mais pelas secas e extremas. Rio Branco não pode mais esperar. Não podemos ficar só no campo das discussões. Mitigar e adaptar são os dois verbos do momento. E verbos significam ação.