Seringueiros de Rondônia dizem sim à retomada da extração do látex nativo
Organização que representa a luta dos seringueiros rondonienses também se reestrutura para novo momento da economia extrativista no estado. Atualmente, produção anual de borracha é de 50 t. A meta é triplicar a quantidade em dois anos.
Montezuma Cruz
Dos varadouros de Porto Velho
O resgate dos seringais nativos em diversas regiões da Amazônia Ocidental Brasileira se aproxima da realidade, graças a um plano oferecido pela Organização dos Seringueiros de Rondônia (OSR). A entidade, da qual quase ninguém mais falava, ressurgiu este ano com significativo protagonismo ao fomento a comunidades tradicionais. No século passado, o ciclo da borracha moveu o extinto território federal e até se misturou ao ciclo mineral.
Segundo o presidente da OSR, Sebastião Neves, desde os anos 2000 houve uma dispersão dos seringueiros no estado, e agora eles ressurgem em mais de 20 associações desde as regiões do Baixo Madeira, Cautário a Jaci-Paraná. São 250 áreas com aproximadamente mil pessoas.
Ele é grato à Kanindé Etnoambiental pelo apoio recebido nessa missão: “Se hoje estamos de volta, é por ela nos proporcionar agora visibilidade federal e estadual.”, afirma ele. A OSR funciona numa sala da sede daquela entidade, em Porto Velho. “Nosso modelo produtivo é Machadinho d’Oeste (divisa com Mato Grosso), que teve alguns seringais de sucesso no passado”, diz.
Atualmente, o quilo de látex é pago a R$ 15 ao seringueiro, enquanto a OSR recebe R$ 3 como garantia da programação de entrega do produto.
Se o governo estadual subsidiar o setor certamente haverá um alento, acredita Neves. Até então, a Secretaria de Agricultura tem olhos mais voltados ao agronegócio e só se permite falar da existência da agricultura familiar uma vez por ano, sempre no mês de maio, durante a Feira Rondônia Rural Show, originária do trabalho desses produtores.
Rondônia alcança hoje 50 toneladas por ano, mas se esforçará para triplicar nos próximos dois anos, informa Neves. Na Amazônia Ocidental Brasileira, o Acre obteve 1.350 t no ano passado, enquanto o Amazonas e o Pará conseguiram em torno de 220 t.
Quatro anos atrás, uma organização com atuação no cultivo de castanha na Terra Indígena Cinta-Larga comemorava o fato de as reservas extrativistas (Resex) do Rio Cautário e Rio Ouro Preto – ambas em áreas de Costa Marques e Guajará-Mirim – terem produzido 20 t de borracha.
Quando se interessou pela retomada, a Secretaria do Desenvolvimento Ambiental (Sedam) estimava uma safra de 200 toneladas de borracha por ano, o que proporcionaria negócios superiores a R$ 2,52 milhões. Mas ficou nisso.
Hoje, o protagonismo no setor é outro. A empresa francesa e brasileira Vert-Veja, que já atua no Acre, está cada vez mais comprando látex de seringais nativos, que possuem densidade 30% mais forte do que de seringais de cultivo e garantem melhores produtos. Vert, inicialmente apenas francesa, desde 2004 produz tênis sob uma perspectiva diferente, conectando projetos sociais, justiça econômica e materiais agroecológicos.
Seu modelo de negócio busca compensar o custo maior com matéria-prima e mão de obra com gasto zero em publicidade, informa a empresa na internet. “Não há propaganda com celebridades usando as peças da marca ou posts pagos em contas de influencers nas redes sociais”, explicam os diretores François-Ghislain Morillion e Sébastien Kopp.
“A marca conquistou clientes fiéis que acreditam nos valores de preservação da natureza e respeito ao ser humano e são esses clientes que fazem a propaganda e espalham o nome da Vert/veja pelo mundo”, assinala o site da Vert.
Criada em 1990, a OSR visou ao fortalecimento da produção de borracha que naquele período ainda era significativa. Já em 2010 não se viu mais nenhum entusiasmo nessa atividade tão histórica na vida dos ex-territórios federais de Guaporé e Rondônia. “Um ciclo que veio desde a 2ª Grande Guerra Mundial”, observa Neves.
Atualmente, a organização está presente nos municípios de Costa Marques, Guajará-Mirim – fronteira Brasil-Bolívia –, Machadinho d’Oeste e Vale do Anari. Desses todos, apenas os dois primeiros produzem látex.
“Além desses municípios, nós trabalhamos hoje em Unidades de Conservação, a exemplo da Resex de Jaci-Paraná e Cuniã; reservas de desenvolvimento sustentável (RDS) de Bom Jardim e Rio Machado”, informa Neves.
Segundo ele, a meta a partir de 2025 será melhorar a produção na medida em que a OSR receber incentivos e subsídios governamentais. A entidade se reuniu este mês com o vice-governador e secretário de Desenvolvimento Econômico de Rondônia, Sérgio Gonçalves, e representantes da empresa francesa fabricante de pneus Michelin.
Inicialmente, o governo do estado investirá R$ 700 mil para a aquisição de tigelas, bacias, facas e outros insumos exigidos pelas associações. O Decreto-Lei nº 10.134, de 1º de outubro de 2022 possibilitou um subsídio ínfimo de 40 centavos por quilo aos extrativistas do látex. Obviamente, seringueiros esperam que esse valor aumente, atendendo às despesas familiares.
Gonçalves prometeu assinar o termo de fomento até a primeira quinzena de julho próximo, em ato para o qual está sendo esperada a presença de um diretor da Michelin para América Latina.
Nessa nova fase de resgate iniciada em 2023, a OSR pretende fortalecer as associações. “Uma associação forte significa extrativista forte. Com a cadeia da borracha, toda essa representatividade dos seringais irá progredir”, opina Neves referindo-se a antigos circunscritos em Unidades de Conservação. Eles terão na borracha sua principal fonte de renda.
Perdas de florestas
Para Sebastião Neves, as perdas de florestas para o desmatamento ilegal no estado importam muito: “Há espécies que nunca mais voltarão”, ele lamenta. Citou como exemplo a “banana de índio”, que foi muito comum em antigas terras cacaueiras do município de Ariquemes, a 200 quilômetros de Porto Velho. “Nos lotes do Projeto Burareiro, do Incra, havia muita banana dessa espécie; sua resina pode ser utilizada no combate ao câncer”, ele diz.
No entanto, contenta-se: “Em grande parte da Resex do Cuniã ainda tem.”
Por esse motivo e pelo despertar das famílias descendentes de antigos seringueiros, a OSR incentivará o cultivo do açaí e fomentará a produção e comercialização da castanha. Conforme explica Neves, essa postura implicará maior confiança governamental na parceria estabelecida com vistas a melhorar políticas públicas em UCs estaduais – 40.
As mudas para o reflorestamento de açaí deverão ser fornecidas pelo Centro de Estudos Rio Terra, e da mesma forma acontecerá com a castanha. A OSR pretende distribuir 30 mil mudas, número que deverá crescer em pelo menos três anos.