O retorno de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência da República colocou a Floresta Amazônica entre os principais temas da agenda política brasileira. Não há a menor dúvida de que a destruição do bioma provocada pela agenda bolsonarista dos últimos quatro anos, fez o Brasil e o mundo se atentarem para a importância – e a fragilidade – da Amazônia. Também não temos nenhuma dúvida de que a pauta amazônica é o que faz Lula ser hoje uma das figuras políticas internacionais mais importantes do globo terrestre. A sua promessa de reconstruir a política ambiental, com especial destaque ao combate ao desmatamento, é o que gabarita o petista a ser recebido com tapetes vermelhos pelas principais potências do mundo.
Desde janeiro, Lula realiza uma série de viagens ao exterior, e a Amazônia é, todas as vezes, o tema principal de seus encontros com líderes políticos e empresariais. O exemplo mais recente é a ida a Bruxelas para tratar das negociações do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. Os europeus colocam como condicionante principal para a assinatura do acordo a garantia de que o Brasil protegerá a floresta, de que a carne e os grãos que chegam aos mercados do continente não saiam de áreas desmatadas ilegalmente.
Enquanto Jair Bolsonaro esteve no Planalto, a União Europeia nem cogitava avançar nas negociações. Com Lula, os diálogos caminham. Aos poucos, o Brasil consegue reconstruir sua imagem diante da comunidade internacional. Desde o fim das eleições de 2022, eu já falava que a Amazônia seria um dos principais – senão o principal – temas a nortear a (reconstrução) da política internacional brasileira – após quatro anos de isolamento.
Todavia (sempre há os poréns), muito mais do que tratar a questão amazônica apenas nos luxuosos gabinetes de Brasília ou das capitais acima da Linha do Equador, o governo Lula precisa trazer o debate para dentro da Amazônia Legal. De nada adianta falar em preservação e proteção da floresta, se aqui dentro um bolsonarismo ainda reinante faz a sociedade local não dar a mínima atenção para pontos como combate ao desmatamento – que, em alguns casos, é visto com antipatia. A estratégia do “Ibama voltou” não recebe os devidos aplausos de uma boa parcela dos amazônidas.
A política de preservação da Amazônia do governo Lula precisa sair de sua torre de marfim, e tem que ser colocada em prática aqui dentro, não só enviando Ibama e Força Nacional. É lógico que essas medidas são mais do que necessárias após quatro anos do crime operando impunemente na região. Proteger as terras indígenas e unidades de conservação é um dever. O Estado precisa reocupar territórios hoje controlados pelas quadrilhas ambientais – e também do narcotráfico.
Mas é preciso muito mais. Essa política de fora para dentro, de cima para baixo, já se mostrou um fracasso. O governo Lula precisa sair de seu pedestal e vir debater a Amazônia com os amazônidas, não só por meio de conferências ou cúpulas. É preciso vir aqui na ponta dialogar com os nossos produtores rurais, as comunidades ribeirinhas, os extrativistas, os indígenas. São esses amazônidas que mais precisam da assistência do governo.
De nada adianta aplicar multas impagáveis a um agricultor ou agricultora por ter ampliado a área do roçado. Tais medidas ampliam a rejeição destes amazônidas ao que seja a palavra meio ambiente, e os faz continuar votando em candidatos da extrema-direita que pregam e executam a política de desmonte ambiental.
Que tal o governo Lula rever as pesadíssimas multas aplicadas àquele pequeno produtor rural lá de Mâncio Lima, que abriu uma área para ampliar o roçado de macaxeira ou banana? Que tal o governo Lula ampliar o acesso da agricultura familiar ap crédito? Que tal o Banco da Amazônia não estar a serviço só do grande pecuarista? Fomentar o extrativismo, sistemas agroflorestais? Seria bom o governo Lula investir pesado na mecanização agrícola para se acabar com o uso do fogo como “tecnologia” para limpar roçados e pastagens.
Conversar e dialogar com a população local sobre a importância de manter a Amazônia em pé é essencial – e pode ser com as comunidades urbanas e rurais. Repito: a política de proteção da floresta precisa chegar aqui não só por meio da repressão.
Este tipo de atitude só alimenta um bolsonarismo reacionário em estados como Acre, Rondônia e Roraima, que, em 2022, deram mais de 70% dos votos válidos a Jair Bolsonaro. A eficácia da política do governo Lula de proteção da Floresta Amazônica não pode ser medida só pelas taxas mensais de desmatamento. Isso não ecoa por aqui.
É como eu costumo dizer: apenas os moradores da Amazônia podem fazer a diferença entre a preservação ou a destruição da floresta. E a política é o principal caminho (ou varadouro) para isso. Trabalhar a consciência ambiental do caboclo, do matuto, do colonheiro e do ribeirinho de que sem a floresta ele não vai mais ter a água para irrigar o roçado de macaxeira, é uma estratégia essencial. Inseri-lo neste debate pode ter muito mais resultados do que apenas “sujar” seu CPF ao jamais pagar as multas recebidas.
Enquanto assiste na tela do Jornal Nacional que o Brasil recebe milhões de dólares e euros para manter a Amazônia em pé, aquela mãe de família, moradora da periferia de Tarauacá, vai colocar seus filhos na cama sem talvez eles terem jantado – ou almoçado. São essas contradições que asseguram a força política da extrema-direita em nossa região. E essa classe está cada vez mais rica às custas da miséria de nossa população.
O cidadão da Amazônia quer se sentir inserido e beneficiado pela política internacional que quer a floresta protegida. Nada mais justo. Este é o grande desafio do governo Lula. Enquanto cidadão destas curvas do Aquiry, não vejo, nem sinto essa incorporação.
Lula e sua equipe ministerial precisam fazer mais e falar menos. Caso contrário, a região Norte continuará a ser este fortíssimo reduto da extrema-direita – e em 2026 a sociedade manterá no poder estes mesmos políticos, que aqui dentro, apontam o agronegócio (na sua versão mais retrógrada) como a única opção para o “progresso da Amazônia”.
Ah, e por aqui, este discurso encontra bastante receptividade…
Fabio Pontes – jornalista acreano, nascido e criado pelas curvas do Aquiry
Editor-executivo do Varadouro
fabiopontes@ovaradouro.com.br