Período quente e seco na Amazônia acreana tende a ser um dos mais severos em 2023
Acre já decretou situação de emergência ambiental; prefeitura leva água em caminhão-pipa até comunidades. Fenômeno El Niño tende a fazer deste verão amazônico bem mais quente, seco e prolongado
Varadouro
AS PREVISÕES e projeções elaboradas pelos mais conceituados institutos de metereologia do mundo quanto aos efeitos do fenômeno climático El Niño sobre os meses de seca e calor em nossa região – o popular verão amazônico – levam cientistas e autoridades a emitir alertas e a já se anteciparem no sentido de amenizar os impactos. Pelas análises científicas, os cenários não são nada animadores: vamos ter um verão mais quente, mais seco e que tende a se prolongar para além de setembro e outubro. Outro ponto é a probabilidade de ondas de calor que vão elevar as temperaturas, representando grave risco à saúde humana.
No último dia 5, o governo estadual decretou situação de emergência ambiental até dezembro. A medida é válida para a área de metade dos municípios. São eles: Acrelândia, Brasileia, Bujari, Cruzeiro do Sul, Feijó, Manoel Urbano, Sena Madureira, Tarauacá, Rio Branco e Xapuri. Um dos motivos que levaram à decretação da medida é a possibilidade da ocorrência de incêndios florestais, ante um verão mais forte e longo que leva a floresta a perder sua barreira natural contra o fogo.
Em entrevista durante o lançamento da operação Estiagem, na sexta, 14, o tenente-coronel Cláudio Falcão, chefe da Defesa Civil de Rio Branco, afirmou que 25 comunidades rurais e urbanas da capital serão atendidas com o serviço de distribuição de água por meio de caminhões-pipa. Ao todo, 25 milhões de litros serão fornecidos. Desde 2021, a prefeitura precisa realizar a operação Estiagem por conta de fontes como poços, açudes e tanques que secam por completo. Começou com 10 comunidades atendidas, aumentou para 17 ano passado, e agora, 25.
As preocupações principais estão relacionadas com o possível comprometimento do serviço de distribuição de água potável. Neste aspecto, a situação é mais preocupante no leste acreano, nas regiões do Alto e Baixo Acre. Concentrando quase 70% da população local, ela depende exclusivamente do rio Acre para a captação de água. Caso as previsões se concretizem, o manancial pode alcançar um novo nível crítico de vazante, após já ter atingido a marca recorde de 1,26m, em setembro passado.
De acordo com a medição realizada na sexta, 14 de julho, o rio Acre estava na marca de 2,13m – ou seja, apenas 87 cm acima da marca recorde de vazante, ocorrida menos de um ano atrás. E ainda estamos no começo de nosso verão, que vai se intensificar a partir da segunda quinzena de julho, até pelo menos o fim de setembro – se as chuvas voltarem a ocorrer com frequência. O desmatado e poluído rio Acre depende diretamente da água que vem do céu para ter seu leito bem abastecido.
A situação também é de bastante preocupação na Bacia do Purus. Em Sena Madureira, o rio Yaco registrava, no dia 14, 1,16m; estava 84 cm abaixo da cota de alerta máximo. A quarta cidade mais populosa do estado também está sob ameaça de um possível comprometimento no serviço de captação de água para atender aos moradores. Ao que tudo indica, comunidades ribeirinhas e rurais necessitarão de amparo do governo e prefeitura.
A Bacia do Juruá aos poucos também deixa as autoridades em estado de atenção. No alto rio Juruá, em Porto Walter, o manancial estava apenas 5 cm acima da cota de alerta máximo para estiagem, que é de dois metros. O boletim de sexta não trazia a medição feita em Cruzeiro do Sul.
Com a tendência já natural para chuvas escassas até setembro, a perspectiva é a de os rios acreanos continuarem em vazante. Além da segurança hídrica, a própria mobilidade das comunidades ribeirinhas fica comprometida com os mananciais em níveis tão críticos – o que dificulta as ações de auxílio. Outro agravante: sem chuvas, o crescimento de seus roçados também fica ameaçado, além de animais também ficarem sem água.
Fogo na floresta
O tempo quente e seco representa uma grave ameaça para a ocorrência de incêndios florestais. Além das queimadas comuns nas áreas rurais, as florestas também passam a ser afetadas pelo fogo. A falta de chuva prolongada, aliada a temperaturas muito altas, fazem a floresta perder sua umidade, alcançado o que os cientistas chamam de estresse hídrico. Assim, toda a vegetação no seu interior se transforma em combustível para o fogo. Os incêndios florestais representam grande desastre natural.
A devastação resulta na morte de centenas de espécies vegetais e animais. Em muitos casos, essas áreas não conseguem se regenerar. O combate ao fogo na mata é bem mais difícil de ser feitol pelos brigadistas.
Em conversa recente com Varadouro, a pesquisadora Sonaira Silva, do Campus Floresta da Ufac de Cruzeiro do Sul, alertou sobre os rastros de destruição deixados pelos incêndios florestais. Nos últimos anos, destacou ela, o Acre tem registrado aumento nas incidências de fogo no interior da mata virgem. Com o verão amazônico potencializado pelo El Niño, os cientistas locais estão mais receosos com a repetição de tragédias como a de 2005.
Leia aqui entrevista completa com a Sonaira Silva
Na semana passada, o grupo de pesquisadores da região de fronteira MAP, formada por Madre de Dios, no Peru, o Acre e Pando, na Bolívia, emitiu alerta às autoridades para as precauções e ações antecipadas que precisam ser efetivadas para reduzir os danos para o período seco.
“Se o clima regional seguir estas previsões, antecipamos problemas agudos de abastecimento de água, de ondas de calor e de queimadas acidentais em áreas agrícolas e incêndios florestais. Os últimos resultariam em altos níveis de fumaça que têm implicações sérias para saúde humana e ambiental”, afirma o documento do grupo MAP.
Entre as recomendações apontadas estão:
- Preparar e implementar planos de contingência para abastecimento de água para
comunidades humanas e atividades agropecuárias, levando em conta a importância de
manter ecossistemas aquáticos. - Preparar e implementar planos de contingência para identificar e controlar queimadas
acidentais e provocadas e para apagar rapidamente incêndios iniciantes em florestas
antes de sua propagação. - Preparar e implementar planos de contingência para reduzir os impactos de ondas de
calor em populações vulneráveis como idosas e de crianças e nas atividades
agropecuáriass. - Que as sociedades e instituições públicas monitorem a qualidade do ar através de dados
de redes locais e de satélites para implementar medidas de redução do impacto de
fumaça na saúde humana e ambiental.
Neste nosso Acre dominado por um bolsonorismo negacionista, que as autoridades possam dar ouvidos à ciência – e seguir as suas instruções. Os alertas estão dadas, bem como o que precisa ser feito. Enfrentar essa intensificação de eventos climáticos extremos na Amazônia é a única forma de amenizar os impactos. A sociedade também precisa fazer sua parte. Evitar as queimadas e fazer um consumo racional de água nos próximos meses são algumas das formas de também reduzir os danos.
O que é o El Niño?
O El Niño é um fenômeno climático ocasionado pelo aquecimento das águas do oceano Pacífico na costa do Peru. Aqui no Brasil, seus efeitos mais claros são provocar secas severas no Norte e Nordeste, e chuvas intensas na região Sul. De acordo com os institutos de todo o mundo, o Pacífico está em processo acelerado de aquecimento, alcançando seu ápice em dezembro. Este pode ser um dos El Niño mais fortes já registrados das últimas décadas.
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