Como a crise do clima pode influenciar aumento dos casos de dengue no Acre
O Acre enfrenta um aumento alarmante nos casos de dengue, com um crescimento de 1.341% em relação ao ano anterior. A situação está diretamente ligada às mudanças climáticas e à degradação ambiental da Amazônia, que afetam os padrões reprodutivos do Aedes aegypti. O pesquisador Jesem Douglas Yamall Orellana, da Fiocruz Amazônia, destaca a necessidade de ações integradas entre saúde e meio ambiente para enfrentar a epidemia.
Veriana Ribeiro
dos varadouros de Rio Branco
O estado do Acre registrou um aumento significativo nos casos de dengue desde o início do inverno amazônico. De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde do Acre (Sesacre), a variação foi de 1.341% em relação ao ano anterior, passando de 1.990 casos prováveis em 2023 para 4.658 casos prováveis em 2024. A situação alarmante, no entanto, não é apenas uma questão de ineficiência de gestão da saúde pública, com falhas em ações de combate aos criadouros do Aedes aegypti, mas também está intimamente ligada às mudanças climáticas.
Jesem Douglas Yamall Orellana, pesquisador do Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz Amazônia), sediado em Manaus, acredita que a degradação da Amazônia e os eventos climáticos intensos que estão ocorrendo devido às mudanças climáticas afetam diretamente os padrões reprodutivos do Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, promovendo condições favoráveis para epidemias e o surgimento de novas doenças.
“Não apenas estamos criando condições para intensificar a adaptação dessas espécies, resultando em epidemias de dengue atípicas e sequenciais, como também abrindo janelas de oportunidades para o surgimento de novas doenças e pandemias. Isto porquê, na medida em que aumentamos a interação entre inúmeras espécies e patógenos com o homem, especialmente nas vorazes e irracionais fronteiras agrícolas ou nas apocalípticas áreas de extração ilegal de ouro na Amazônia, aumentamos as chances do surgimento de novas e imprevisíveis doenças”, afirma ele.
Nas duas últimas décadas, o Acre é bastante impactado por eventos climáticos extremos – sejam as grandes inundações ou as secas severas. Nos últimos meses, por exemplo, a capital Rio Branco foi atingida por duas alagações históricas em menos de um ano. As chuvas intensas mais o calor extremo são fatores essenciais para a propagação de mosquitos transmissores de doenças infectocontagiosas. Paralelo a isso, entre 2019 e 2022, durante o primeiro mandato de Gladson Cameli (PP), o Acre registrou níveis recordes de desmatamento da Amazônia dentro de seu territóro.
O pesquisador destaca que o controle da dengue não deve se limitar a medidas sanitárias tradicionais, como vacinação e tratamento sintomático, mas deve incluir ações mais amplas, como a redução da degradação ambiental, o reflorestamento e a melhoria das condições de habitação das populações mais afetadas. “A atuação articulada e harmônica entre o setor de saúde e do meio ambiente é crucial, mas pode ser insuficiente se medidas de mitigação mais contundentes e participativas não forem implementadas, o que, obviamente, requer mais participação comunitária”, explica.
Em relação às projeções futuras, Orellana alertou que o Brasil pode ultrapassar 1.400 mortes por dengue e terminar o ano de 2024 com cerca de cinco milhões de casos notificados. “Cenários de crise são sempre marcados por incertezas e, no caso da dengue, os últimos três anos têm sido desafiadores, pois refletem um cenário atípico e preocupante, com recorde atrás de recorde de casos novos e mortes pela doença sendo quebrados”, ressalta.
“Não podemos falar em volta da dengue e sim de um problema sanitário cujos determinantes sociais, econômicos e ambientais têm sido negligenciados há décadas. A diferença é que, nos últimos anos, a sua ocorrência tem se tornado cada vez mais imprevisível e surpreendente, pois insistimos em negar os efeitos da crise climática sobre a sua ocorrência e a obsolescência das nossas estratégias de enfrentamento e mitigação”, reforça o pesquisador.
A Secretaria Estadual de Saúde do Acre reconhece o aumento significativo nos casos de dengue e a baixa adesão popular para a campanha de vacinação contra a doença, que até o momento conta com apenas 6,18% do público-alvo vacinado. O órgão destaca, ainda, a importância da colaboração da população na prevenção da dengue, por meio da eliminação de criadouros do mosquito Aedes aegypti e da participação em ações de educação em saúde e mobilização social. Apesar da queda dos casos nas últimas semanas, a situação ainda é considerada preocupante.
Em meio a esse cenário desafiador, fica evidente a necessidade de uma abordagem integrada e multidisciplinar para enfrentar o aumento da dengue em um contexto de mudanças climáticas. A conscientização pública e a adoção de medidas preventivas são fundamentais para reduzir a incidência da dengue, reforçando a importância da integração entre os setores de saúde e meio ambiente, além do engajamento de toda a sociedade na busca por soluções eficazes.