Montezuma Cruz
dos varadouros de Porto Velho
Fabio Pontes
dos varadouros de Rio Branco
A família de Paulo Sérgio Costa teme por sua vida. Líder da ocupação Marielle Franco no município de Lábrea, no sul do Amazonas, e preso desde o dia seis de março em Boca do Acre, ele foi transferido às 5h da manhã desta terça-feira, 12, para uma unidade prisional de Humaitá, município distante 200 quilômetros de Porto Velho (RO). Sua transferência se deu por determinação judicial. A família só ficou sabendo horas depois, manifestando inconformismo, pois ele é diabético e nem sequer teve tempo de se medicar. Além disso, é pai de uma criança autista, de cinco anos de idade, cuja mãe está agora cuidando dela com dificuldade.
De acordo com a defesa de Paulo, a prisão é ilegal por não haver nenhum inquérito aberto contra ele no Judiciário do Estado do Amazonas, e por não possuir antecedentes criminais. A investigação por suposta ameaça contra o proprietário da Fazenda Palotina, Sidney Zamora, foi aberta pela Polícia Civil do Acre, já que a residência oficial dos dois é em Rio Branco.
Desde o atentado a tiros e golpes de facão praticado no dia 28 de fevereiro por jagunços vestidos com roupas semelhantes ao uniforme dos policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope), da Polícia Militar, contra posseiros da ocupação Marielle Franco, espalham-se notícias de “um perigoso Paulo Sérgio.” Sua liberdade, segundo os incomodados grileiros de terras “colocaria em risco as pessoas.”
Zamora, pretenso dono da Fazenda Palotina, é acusado pelos posseiros de intimidar a presença das quase duzentas famílias que estão na área em disputa. Segundo as famílias, o fazendeiro usaria armas, drones e câmeras para proteger as áreas de suas fazendas, reunindo muito mais força que qualquer posseiro da região conflituosa.
No dia do ataque, quatro pessoas foram torturadas, espancadas, e passaram por exame de corpo de delito no Instituto Médico-Legal em Rio Branco. Por sua vez, Zamora acusa Paulo Sérgio de lhe fazer ameaças de morte. Como prova, usa vídeos em que o líder aparece com armas prometendo resistir às investidas do pecuarista.
Na sexta-feira, 8 de março, o pedido de transferência do líder da ocupação chegou ao Tribunal de Justiça do Amazonas, em Manaus, mas só foi despachado ontem, 11, para o cumprimento da Vara de Boca do Acre.
Procurada pela reportagem do Varadouro, a assessoria de comunicação do Ministério Público Federal no Amazonas admite a situação delicada em Lábrea, mas se limitou a dizer que “o caso está sob sigilo”.
“Demonizado”
“Alguma coisa está por trás disso”, disse um familiar de Paulo Sérgio, que preferiu não se identificar temendo represálias. “Pelo visto, a opinião pública só escuta acusações contra o Paulo e supõe que só as terras daquela ocupação motivam a vida dele”, queixa-se a familiar. A imprensa acreana reproduz os discursos do dono da Fazenda Palotina, que aponta Paulo Sérgio como grileiro de terras públicas e ligado a organizações criminosas. A família e o advogado de Paulo negam todas as acusações.
“Pior, e muito lamentável, é a acusação que partiu do fazendeiro, dizendo que ele é líder de organização criminosa, mas como pode ser isto? Organização de um só?”, questiona.
A fonte frisa que Paulo Sérgio “nem sequer foi ouvido e nem é um condenado judicialmente”. “Citaram duas pessoas para espalharem que ele teria negociado dois lotes de terra, mas aí eu pergunto: vendeu para quem, onde está o dinheiro?.” De acordo com a parente do líder da ocupação, dois anos atrás o próprio fazendeiro sondou-o para oferecer dois milhões de reais, desde que abandonasse a causa das terras reivindicadas pelos posseiros.
“Ele rejeitou a oferta, e aí está a situação para ser de fato entendida pelas pessoas: se Paulo Sérgio fosse o bandido e líder de organização criminosa, deixaria de pegar esse dinheiro? Pois ele não vendeu a sua integridade” prossegue a fonte.
A Polícia Civil de Rio Branco apreendeu o celular do líder. A família estranha a alegada “cooperação técnica” da polícia do Acre com a do Amazonas. Ao Varadouro, o advogado de Paulo Sérgio, João Barbery, disse que os policiais civis de Rio Branco “entraram numa área que não era de sua competência.” Explicou que o inquérito policial aberto já pedia a preventiva de Paulo Sérgio, porém, o fato de a fazenda situar-se a 95 quilômetros de Rio Branco e a mais de 854 km de Manaus levou a justiça a tomar a atual decisão.
O que não está ainda esclarecido é o fato de policiais do Acre se envolverem numa situação que diz respeito ao Incra, MPF e à polícia do vizinho estado do Amazonas. À reportagem, a assessoria da Polícia Civil deu a seguinte resposta: “PCAC investigou somente ameaça com arma de fogo – vítima e autores moram no Acre. Questão de invasão de terra e outros crimes, bem como mandado de prisão não são objetos de investigação da PCAC, e sim PCAM.” No caso vítima e autores são Sidney Zamora e Paulo Sérgio.
“O juiz plantonista decretou a prisão preventiva, mas o inquérito ainda não foi concluído, estamos correndo com o pedido de habeas corpus, porque Paulo não é o que estão falando, não há provas disso, é uma farsa; o Incra deverá regularizar o assentamento”, informou o advogado João Barbary.
Segundo o advogado, alardeou-se na região e em Rio Branco que Paulo “era uma ameaça à ordem pública e por isso deveria ficar preso.” A manifestação dos posseiros da ocupação Marielle Franco em frente à delegacia de polícia preocupou a polícia, e o juiz, uma vez que se falava no possível fechamento da BR-317, entre Rio Branco e Boca do Acre, em protesto à prisão da liderança, determinou sua transferência para Humaitá. Assim, Paulo fica distante da área conflituosa, e da acolhida de sua família. Enquanto estava em Boca do Acre, ele recebeu a visita da esposa e do filho.
“O juiz viu que isso seria um risco e por isso pediu a transferência dele para Humaitá”, disse o advogado. Da mesma forma, o familiar de Paulo lamenta as acusações contra ele e a morosidade na obtenção do HC. “A situação de saúde dele e a do filho menor exigem a presença dele com a família”, desabafa. “O juiz que pediu a prisão dele é o mesmo da audiência de custódia, e o Paulo nem sequer foi ouvido”, denuncia o familiar.