Jaguncismo armado tortura quatro e atira contra trabalhadores da Ocupação Marielle Franco, em Lábrea
Homens vestidos de preto se identificavam como policiais do Bope, torturaram e atiraram contra trabalhadores rurais do acampamento Marielle Franco, localizado em área de conflito no município amazonense de Lábrea. Posseiros agora temem por suas vida. Clima é de tensão na tríplice divisa Amacro, e organizações pedem intervenção das autoridades.
Montezuma Cruz
Dos varadouros de Rio Branco e Porto Velho
A violência tomou conta da ocupação denominada Comunidade Mariele Franco, em terras da União, quinta-feira (28) passada no município de Lábrea, sul do Estado do Amazonas. Homens fardados de preto, traje semelhante ao do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da Polícia Militar (PM) perseguiram trabalhadores dentro da mata, torturaram quatro e atiraram contra os demais. Em depoimento à Comissão Pastoral da Terra (CPT), lideranças da ocupação não têm dúvidas: os homens agiram por ordens de grileiros de terras. As vítimas apontam o envolvimento de policiais militares atuando como jagunços dos fazendeiros envolvidos na disputa, sem definir com exatidão se são agentes do Acre ou do Amazonas.
Uma área de desmatamento a mando de um fazendeiro no Km 118 da BR-317, que interliga Rio Branco a Boca do Acre e Lábrea, no Amazonas, colocou em risco a vida dos ocupantes da Comunidade. São aproximadamente duzentas famílias na região marcada por intensas e violentas disputas por terra ao sul da Amazônia Ocidental.
A atual área de conflito está localizada bem no coração da tríplice divisa Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia). Desde 2019, essa é a nova zona de desmatamento e crimes ambientais no Norte do País. De uma década para cá, os municípios de Boca do Acre e Lábrea figuram no topo do ranking do desmatamento e queimadas. Outro fator a impulsionar a violência é a entrada de facções criminosas que controlam a retirada de madeira, o comércio de terras e de castanha.
Os feridos na quinta-feira passada viajaram a Rio Branco, onde chegaram no final da noite de sexta-feira (1o) e se submeteram a exame de corpo de delito no Instituto Médico-Legal (IML). Um depoente relatou que, durante o ataque, um rapaz chegou correndo, cansado, contando que fora surrado e golpeado com facão.
Chovia forte na região. “Ouvimos muitos tiros na mata, teve tiro que raspou a barriga de um e pegou num pau; eles atiraram contra diversas pessoas que correram para a mata, e atiraram para matar mesmo, felizmente acertaram só os paus”, conta um depoente à CPT. Varadouro teve acesso aos depoimentos das vítimas das agressões praticadas pela jagunçada armada das fazendas do entorno.
Segundo ele, dentro de um carro, um dos integrantes do grupo armado mostrou supostamente ao fazendeiro vídeos no celular retratando atrocidades. “Eles denunciam que é nós que estamos desmatando e retirando a madeira, então lá no ponto onde a madeira foi retirada nós mostramos que não somos nós quem fazemos isso, porque não temos acesso com carro para ir lá.”
Ainda conforme o depoente, foram torturados: Bruno Baiano, Marcão, Messias e Nalcione. “Estão arrodeando lá, o trator parou com um foco de luz, aí eu tive que fugir com o garoto; falei: vamos sair fora, porque a gente não tem arma, esses caras vão matar a gente aqui” – gravou em áudio um dos trabalhadores que chegou a Rio Branco sexta-feira.
O grupo de jagunços procurava por Paulo Sérgio Costa, uma das lideranças na área. A 1ª Vara da Comarca de Lábrea expediu dia 4 mandado de prisão preventiva para Paulo Sérgio.
Representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), agentes da Polícia Federal (PF) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) estiveram na região no sábado (2) apurando a situação. Denúncias apontam para as invasões de terras que formam a Floresta Nacional do Iquiri. Em junho do ano passado, a PF deflagrou operação para desarticular esquema de invasões e grilagem de terras da Flona do Iquiri.
TIROS, VIOLÊNCIA E AMEAÇA
O sul do Amazonas e Lábrea são locais conhecidos como faroeste amazônico, onde o medo e a criminalidade são impostas por grandes empresários que fazem fortuna grilando terras da União. Usam o fogo para destruir todo tipo de vida na floresta e retiram madeira . Depois da devastação, começam a expandir a criação de gado bovino, optando por monocultura (geralmente soja) e especulação imobiliária.
A ocorrência de mortes em Lábrea tem ligação com a formação de facções criminosas interessadas nas ilegalidades ambientais. Observadores políticos em Rio Branco alertam que é desse jeito que se formam milícias rurais que expulsam ou matam pessoas sobreviventes da agricultura familiar, cujo uso acontece de maneira sustentável e coletiva.
Mesmo temendo retaliações, Paulo Sérgio diz que o desmatamento serve para a retirada de madeira. “O grupo armado e fardado se dizia do Bope. Deram muitos tiros, bateram muito num rapaz, botaram ele de joelhos, deram facãozadas nele, torturaram, e furaram outro; um terceiro está em Rio Branco; e outro levou uma facada na clavícula”, conta ele.
JÁ DENUNCIADO
O clima de apreensão na área litigiosa já foi denunciado ao Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público Estadual (MPE), Defensoria Pública da União (DPU), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Como a região em disputa está bem na divisa do Acre com o Amazonas, há dúvidas sobre as competências de quais órgãos deveriam agir no caso, causando desta maneira uma situação de empurra-empurra.
Nem as autoridades de Manaus, nem as de Rio Branco chegam a um consenso. Enquanto isso, há denúncias de ações indevidas por parte de policiais estaduais do Acre em território amazonense.
Em abaixo-assinado, as instituições e coletivos lembram que antes de 2015 a comunidade já estava em polvorosa. Conforme os signatários do abaixo-assinado, eles “capturaram algumas pessoas e chegaram a esfaquear algumas. Também dispararam 17 vezes no meio da mata, causando o desaparecimento de três pessoas.”
Um vídeo remetido pela comunidade mostra uma das pessoas agredidas, sangrando. Os agressores teriam filmado as atrocidades e enviado as imagens para terceiros, numa suposta prestação de contas das ações praticadas. Membros da comunidade acreditam que “os homens de preto” enviavam as filmagens para o proprietário da Fazenda Palotina, para quem prestariam serviços.
DOIS ANOS DIFÍCEIS
Para os autores do abaixo-assinado, tais atrocidades contra moradores da comunidade sucedem outras, “há bastante tempo.” “Entre 2022 e 2023 aumentaram”, frisam. “O que está faltando para o MPF e Polícia Federal tomarem providências rigorosas contra esses agressores?” – questionam.
Assinam o documento dirigentes da CPT da Arquidiocese de Manaus, CPT Regional Amazonas, Comissão de Defesa dos Direitos Humanos de Parintins e Amazonas, Movimento dos Trabalhadores Cristãos do Amazonas, Padres em Nova Dimensão, Movimento de Trabalhadores Cristãos do Amazonas, e Parlamento Sustentável do Planeta Azul.
Conforme relatam, em dezembro de 2023 algumas imagens mostraram a expulsão dos trabalhadores rurais de um castanhal situado em terras da União ocupadas antes de 2015 pela comunidade. Claramente notavam-se jagunços armados, juntamente com o dono da fazenda referida e seu filho. A extração de castanha é outro motivo de conflitos violentos na divisa Acre-Amazonas.
“Será que as providências só virão quando ocorrer um massacre contra esse povo perseguido?” – protestam. “Constituição Federal e Código Civil” – sugerem lembrando que a regularização fundiária diminuiria os conflitos.
Trata-se do documento nº 20230090443, ofício nº 18/2023 ao MPF e ao DPU relatam perseguições e ameaças de morte ocorridas no dia 10 de janeiro de 2024. “Agora novamente neste dia 28.03.2024 estamos pedindo providências urgentíssimas. Por ser de justiça!.”