Varadouro: a força dos fracos

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Enfim, nosso nanico Varadouro foi recriado, ou começa a ser recriado. Eu passei algumas décadas sonhando com isso, pelo bem do Acre e da Amazônia. O encalhe era grande, mas eu enxergava sempre que tinha uma nova geração pronta pra sonhar também. E corri atrás. Tal como ocorreu na primeira vez (lá pelos anos 70 e 80 um grupo de jovens reunia na minha casa em Rio Branco, na rua João Donato, sabendo que “tava na hora da onça beber água”).

Ocorreu de novo, na minha casa, agora com a ideia da recriação.

A ditadura era feroz naqueles tempos, os jacus chegavam aos montes do sul, centro-oeste e sudeste com motosserras, capatazes e jagunças para derrubar a floresta, tocar fogo, plantar capim e criar boi. Parecia que ninguém se dava conta disso em nossa região, o que se via e ouvia era gente falando em “progresso” enquanto os capangas expulsavam seringueiros, índios e colonos para uma vida desarrumada na cidade.

“Só Deus me tira daqui!”- clamava umas magra e preta senhora seringueira do Seringal Santa Fé, em Xapuri, como se isso fosse possível. Os generais de pijama nem ouviam seu grito, o que faziam era oferecer incentivos fiscais e outras vantagens para rifar o povo da floresta. Governadores, prefeitos, secretários de estado, delegados de policia, advogados corruptos (alguns juízes também), todo mundo queria plantar boi.

Mataram Wilson Pinheiro, Chico Mendes, Luis Higino…tantos que nem figuram nas páginas sangrentas dos jornais até que surgisse, na expressão de um compositor poeta nosso (Beto Brasiliense) “a força dos fracos” – que organizou os “empates” para combater a sanha dos gorilas. Aí o jornal Varadouro fez sua parte, com a linguagem dos direitos, desnudando a arrogância dos predadores, superando o medo e colocando no lugar o sentimento de amor à natureza, a importância da ciência, da cultura e da história.

Pronto! Agora podíamos lutar com a ideia de “pertencimento”. Podíamos lutar sem “recuar”, “sem cair”, “sem temer” quantas vezes for necessário. Nas 24 edições do Varadouro, recebemos lições de estímulo para não descuidar do nosso Acre, da nossa Amazônia, ainda que tenhamos de errar na palavra usada, no desenho feito, na foto escolhida, no tema não previsto. Eu encontrei uma dessas lições numa charge do Henfil, extraordinário colaborador do Pasquim que enviou carta dos cafundós do sertão baiano, onde se refugiava dos militares, reconhecendo que nós estávamos fazendo um jornalismo impossível e não devíamos abrir mão disso.


Élson Martins, jornalista e escritor acreano, nascido no Seringal Nova Olinda, em Sena Madureira, foi o criador do Varadouro na década de 1970. Também foi correspondente de O Estado de São Paulo para a Amazônia. Teve passagem pelas imprensas do Acre, do Amapá e do Pará. Agora, volta a escrever nas páginas digitais do novo-velho Varadouro.

Contato: almanacre@gmail.com
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