Governo Gladson Cameli: do agronegócio a quase um militante indigenista

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Francisca Arara, do povo Shawadawa, secretária dos Povos Indígenas; pasta faz governo bolsonarista ter novo trato com populações indígenas do estado (Foto: Diego Gurgel)


Após uma agenda eficaz de deixar a boiada passar pelo Acre, bolsonarista muda de postura; criação da Secretaria dos Povos Indígenas é um dos sinais do mais novo militante ambiental do estado

Fabio Pontes
Dos Varadouros de Rio Branco

OS PRIMEIROS seis meses do segundo mandato do governador Gladson de Lima Cameli (PP) consolidaram a transformação do governo do agronegócio, responsável pelo desmonte das políticas de proteção ambiental do Acre entre 2019 e 2022, numa gestão ecologicamente sustentável, capaz de colocar no bolso qualquer país europeu que tente se apresentar como referência em respeito ao meio ambiente. Após iniciar o primeiro mandato surfando na onda bolsonarista de deixar a boiada passar sobre a Floresta Amazônica, ao afirmar que ninguém mais precisava pagar as multas aplicadas pelo Imac, Cameli agora apresenta um figurino verde (e não azul) para se adaptar aos novos tempos de reconstrução da política ambiental brasileira, promovida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na semana que passou, o (ex) governador do agronegócio teve uma agenda ambiental frenética. De participação célebre no fórum indígena estadual, a reuniões com representantes dos governos da Alemanha e do Reino Unido responsável por financiar o programa de pagamento por serviços ambientais do Acre, o REm/KFW.

A consolidação da semana verde se deu na sexta-feira, 7, com a publicação do Decreto 11.275. em edição extraordinária do Diário Oficial, que cria a Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas (Sepi). Ainda na quarta-feira, 4, na abertura do Fórum Indígena, Cameli anunciou o nome da liderança Francisca Arara, do povo Shawadawa, como a titular da nova secretaria.

Ela é uma das poucas vozes do movimento indígena acreano a se sentir confortável no governo da boiada de Cameli, que levou o Acre a níveis recordes de desmatamento. Desde o primeiro mandato ela atua como uma interlocutora entre o Palácio Rio Branco e o movimento indígena.

Sem dúvida alguma, a criação da Sepi é um feito jamais pensado vir de uma gestão que abriga o que há de mais reacionário e arcaico da política acreana. Apesar de hoje tentar travestir ou incorporar o espírito de um governante comprometido com a preservação da Floresta Amazônica, o passado de Gladson Cameli o condena – nós sabemos muito bem o que o líder bolsonarista fez em verões (amazônicos) passados.

Um de seus primeiros atos ao tomar posse como governador foi acabar com a já fragilizada assessoria especial dos povos indígenas, ligada à Casa Civil dos governos petistas que ele sucedeu. Já pelo desde a administração Binho Marques (2006-2010), a representação dos povos indígenas do Acre estava restrita a um penduricalho nos gabinetes petistas. A última (e talvez a única) vez que o estado contou com uma estrutura de Secretaria dos Povos Indígenas foi no governo Jorge Viana (1999-2006), onde teve início o ciclo de 20 anos de mandatos do Partido dos Trabalhadores no Acre.

Agora, quase duas décadas, o estado volta a dispor de uma secretaria que tratará de políticas para os nossos povos originários. E sua recriação acontece exatamente num governo bolsonarista. Não que Gladson Cameli seja um ponto fora da curva da extrema-direita, preocupado com o bem-estar e os direitos das comunidades indígenas.

Tanto assim, que uma de suas primeiras decisões no cargo de governador foi acabar com a assessoria dos povos indígenas. Recriou-a tempos depois, após críticas, mas a colocou bem longe da Casa Civil. Esta sua guinada rumo a uma gestão aparentemente preocupada com a proteção da Amazônia é apenas uma questão de sobrevivência política.

Acossado por uma série de denúncias de corrupção apontadas pela Polícia Federal, no âmbito do inquérito da operação Ptolomeu, Cameli precisa rezar na cartilha verde do Palácio do Planalto para sobreviver. Sabe que manter a sua própria agenda de deixar a boiada passar não será mais apoiada por Brasília, como foi durante os desastrosos quatro anos de Jair Bolsonaro (PL); o momento político é outro. O governador acreano tem seu mandato sub judice. A qualquer momento pode ser afastado das funções pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Caso queira sobreviver e não ficar politicamente isolado diante do país e do mundo, Gladson Cameli terá que reconstruir a política de proteção da Floresta Amazônica que ele desestruturou ao longo dos últimos quatros anos. Terá que reerguer o Instituto de Meio Ambiente do Acre, aquele mesmo Imac que ele humilhou em praça pública em Sena Madureira, em março de 2019 – ao afirmar que, a partir daquele momento, ninguém mais precisava pagar as multas “porque agora quem tá mandando sou eu”. Ou colocar pessoas ligadas ao setor do agronegócio ou da indústria madeireira para ocupar cargos de chefia no órgão.

Outro motivo para essa mudança da água para o vinho são os milhões de dólares, euros e libras que o Brasil vem recebendo para recompor a sua política ambiental, sobretudo por meio do Fundo Amazônia. Ter uma secretaria dos povos indígenas, é essencial para facilitar o diálogo com Brasília e o resto do mundo para o estado obter investimentos. E colocar uma liderança indígena mulher fortalece ainda mais essa articulação diante da ministra Sônia Guajajara (Povos Originários) e da acreana Marina Silva (Meio Ambiente).

Deixar a pauta indígena restrita a uma assessoria da Secretaria de Assistência Social – consolidando a tendência do bolsonarismo de tratar a questão como “assistencialismo” – ou a um braço da Secretaria de Meio Ambiente não é a mais inteligente das ações para o governo Gladson Cameli. Os tempos são outros – ainda bem.

Independente de qual grupo recria a Secretaria dos Povos Indígenas, a sua existência é mais do que essencial para um estado amazônico. O Acre foi formado a partir de nossa ancestralidade indígena. Hoje são quase 25 mil pessoas, representadas por 15 diferentes povos – mais os isolados e os de recente contato.

Eles são os principais guardiões de nossa maior riqueza. Juntas, as terras indígenas representam 14,5% do território acreano – uma porção de floresta cuja proteção está devidamente assegurada por conta de suas relações de sobrevivência física e espiritual com a Amazônia.


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