Justiça acolhe ação emergencial do MPF e de lideranças Mura, e suspende licenciamento da Potássio do Brasil em Autazes

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Mineradora chegou a fixar placas delimitando “suas áreas” dentro de território reivindicado pelo Mura (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)




Dos varadouros de Manaus

A Justiça Federal no Amazonas atendeu ao pedido emergencial do Ministério Público Federal (MPF)e da Organização de lideranças indígenas Mura de Careiro da Várzea (Olimcv), além da comunidade indígena do Lago do Soares, em Autazes (distante 111 km de Manaus), e suspendeu, de forma imediata, o procedimento de licenciamento ambiental, a consulta realizada de forma irregular e qualquer avanço nos trâmites para a implantação do empreendimento da empresa Potássio do Brasil em Autazes, cuja área de exploração do miséria abrangeria partes do território reivindicado pelo povo Mura.

A decisão tem como base o agravamento das irregularidades, a partir de uma série de violações, falsas promessas, ameaças e cooptações dos povos indígenas, inclusive de lideranças Mura, e de servidores públicos por prepostos e pelo próprio presidente da empresa Potássio do Brasil.

Segundo a decisão, a continuidade do processo de implantação do empreendimento minerário com diversas irregularidades pode resultar em riscos de conflitos e mortes para o povo Mura que vive na região. Dessa forma, também foi determinada a imediata retirada do marco irregularmente afixado no território indígena, na comunidade Soares, e fixada multa de R$ 500 mil por dia de descumprimento e por violações ao território e ao povo Mura.

A empresa de mineração também foi multada em R$ 1 milhão pelo descumprimento dos deveres assumidos durante as audiências de conciliação, em especial, por realizar pressão indevida sobre o povo Mura. A Justiça Federal ainda determinou a imediata suspensão de qualquer atitude de coação, manipulação, fraude, intimidação, ameaça, pressão e cooptação contra os indígenas Mura, praticados pela Potássio do Brasil. E ainda foi fixada multa de R$ 100 mil por dia de descumprimento.

“Há uma pressão abusiva sobre os territórios, que passa pelos governos, e as empresas são coniventes. Tudo isso é fruto de empreendimentos abusivos na Amazônia que se refletem nessa seca que estamos vivendo.” A denúncia foi feita pela coordenadora da Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam), Mariazinha Baré, durante coletiva de imprensa realizada começo de setembro em Manaus, para esclarecer fatos sobre a exploração de potássio no Amazonas, dentro da Terra Indígena Soares, do povo Mura.

“O governo do Amazonas anunciar o apoio de indígenas Mura ao projeto de potássio é uma ofensa ao protocolo de consulta do povo Mura e aos povos indígenas”, completou. No dia 25 de setembro, o governador Wilson Lima afirmou considerar o possível apoio “o passo mais importante, que é o processo de consulta ao povo Mura sobre essa atividade da exploração do potássio no município de Autazes”.

Willian Mura, um dos representantes da Organização das Lideranças Indígenas do Povo Mura do Careiro da Várzea (Olimcv), esclareceu que o “apoio” divulgado refere-se a 108 pessoas, e não ao povo Mura em si. “Eles não podem tomar decisão por mais de oito mil Mura. Não foi unânime”, afirmou.



Irregularidades

Na petição feita nesta quarta-feira (15), o MPF destaca as graves violações e irregularidades em andamento. Segundo o documento, diversos relatos de áudio, vídeo, ligações telefônicas, oitivas presenciais e videoconferência, documentos e outros meios demonstram “o cenário caótico estabelecido entre o povo Mura e lideranças indígenas nas aldeias a partir de cooptações, promessas, pressões e ameaças estimuladas ou perpetradas diretamente pela empresa Potássio do Brasil e seus prepostos”.

De acordo com os procuradores da República que assinam a ação, além disso, as violações contra o provo Mura incluem compras irregulares de terrenos na região – inclusive registradas em inspeção judicial em 2022 –, intimidação via forças policiais locais, introdução de placas da empresa no território Mura de forma irregular. Os procuradores destacam que tal situação já foi objeto de pedidos recentes do MPF para aplicação de multas e adoção de medidas judiciais contra a empresa.

O MPF aponta, ainda, violações ao protocolo de consulta do povo Mura, que cita expressamente situações que podem inviabilizar e invalidar qualquer processo de consulta ao referido povo. O documento traz, por exemplo, o rito de consulta e determina que nada deve ser decidido sem amplo debate prévio com todos os Mura das aldeias, em seguida, em reuniões regionais, e depois, em reunião geral.

O protocolo também determina que não pode haver a presença dos não indígenas em reuniões internas do povo Mura. No entanto, a partir dos relatos recebidos pelo MPF, o presidente da Potássio do Brasil participou de reuniões realizadas em setembro, com inúmeras promessas e até insinuações para enfraquecimento da luta do povo Mura pela demarcação de seu território.

A petição dos indígenas Mura (OLIMCV e comunidade Soares) também acatada pela Justiça Federal, reforça o entendimento exposto pelo MPF, além de demonstrar a série de manipulações, pressões e violações, inclusive esclarece as falsas informações trazidas a público no sentido de que os indígenas Mura já teriam aprovado o empreendimento. Essas informações foram anunciadas inicialmente em reunião realizada em 25 de setembro entre algumas lideranças Mura e o governador do Estado do Amazonas.

Embates nos tribunais

O MPF passou a acompanhar o caso depois de receber informações de que a empresa Potássio do Brasil começou a realizar estudos e procedimentos na região sem qualquer consulta às comunidades. O órgão busca garantir o reconhecimento formal do território habitado tradicionalmente há cerca de 200 anos pelos indígenas.

Em julho de 2016, o MPF expediu recomendação ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), para que cancelasse a licença já expedida, e à Potássio do Brasil, para que suspendesse as atividades de pesquisa na região até a realização das consultas nos moldes previstos na legislação. Nenhum dos pedidos foi atendido.

Durante inspeção judicial realizada em 2022, o Ministério Público colheu relatos de coação a moradores indígenas e não indígenas da região por pessoas ligadas à empresa para forçar a “venda” desses territórios tradicionais. Tais pressões, segundo relatos dos moradores, geraram insegurança alimentar pelo impedimento de acesso aos roçados tradicionais e a áreas de caça e pesca em pleno período de pandemia.

Em maio deste ano, durante entrevista coletiva realizada na sede do MPF, lideranças indígenas Mura relataram que são espalhadas informações falsas sobre supostas desapropriações na região, o que tem gerado conflitos e ameaças entre os comunitários.

Em setembro, a Justiça Federal do Amazonas acatou pedido do MPF e determinou a suspensão da licença concedida pelo Ipaam à empresa Potássio do Brasil para exploração mineral no território indígena Mura, em Autazes. A decisão destacou que a atividade não pode ser realizada sem autorização do Congresso Nacional e posterior consulta aos povos indígenas afetados.

Tal decisão de setembro da Justiça Federal no Amazonas foi suspensa pela Presidência do TRF1, com entendimento de que o órgão competente seria o Ipaam, mas já há recurso do MPF ao pleno do TRF1, pois no entendimento do MPF, a decisão da Presidência do TRF1 viola a Constituição Federal, a Convenção 169 da OIT e dispositivos legais, além do entendimento do próprio Tribunal.

Agora novamente, em razão dos novos fatos, do grave cenário no local, gerando até mesmo risco de conflitos e morte ao povo Mura, a Justiça Federal no Amazonas suspende o andamento do licenciamento, com aplicação de multas à empresa Potássio do Brasil e outras medidas. (Com informações da Ascom MPF/AM).



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