É um tiro no pé e um custo muito alto sem retorno, diz geógrafo sobre planos para perfurar poços em Rio Branco

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Claudemir Mesquista: já na década de 70 estudos mostravam que geologia do AC não permite accúmulo de grandes volumes de água (Foto: Fabio Pontes)



Especialista em bacia hidrográfica, pesquisador diz ser precipitado prefeitura anunciar perfuração de poços sem estudos prévios; para ele, solução mais eficaz continua a ser a recuperação do rio Acre



Fabio Pontes
Dos Varadouros de Rio Branco

COM A CIDADE de Rio Branco enfrentando uma nova crise no abastecimento de água por conta do rompimento da adutora de captação da Estação de Tratamento de Água (ETA 2) da Sobral, o prefeito Tião Bocalom (PP) anunciou, na semana passada, como medida emergencial para solucionar o problema, a perfuração de dois poços com mais de mil metros de profundidade. A água captada a partir destas fontes, segundo o gestor, amenizaria efeitos de panes estruturais como a atual, ou as dificuldades de captação durante os meses da estiagem, quando o rio Acre atinge níveis críticos de vazante.

Esta não é a primeira vez que os gestores públicos apontam a perfuração de poços para solucionar as crises constantes de abastecimento de água na capital acreana. Em 2016, quando o rio Acre atingiu o nível mais baixo já registrado – em virtude da seca severa ocasionada pelo fenômeno El Niño – houve a tentativa de se alcançar o lençol freático do famoso aquífero, localizado no Segundo Distrito da cidade. À época, dois poços de 140 metros de profundidade foram abertos, mas a vazão se mostrou inviável para prover o abastecimento da cidade.

A solução foi esperar a chuva voltar a cair para o rio Acre encher. Agora, de acordo com a prefeitura, dois poços com 1.200 metros (cada) serão perfurados, até o fim do ano, nos bairros Comara e Placas. A estimativa é de um investimento de R$ 2 milhões. Segundo a prefeitura, estudos do Serviço Geológico Brasileiro (CPRM) indicariam que é a partir deste nível que se pode encontrar água do que seria o Aquífero Alter do Chão. Espalhando-se pelos territórios do Pará e do Amazonas, é apontado como um dos maiores reservatórios de água subterrânea do mundo, cuja extensão chegaria até a fronteira com a Bolívia.

Para o geógrafo Claudemir Mesquita, especialista em planejamento e uso de bacia hidrográfica, não há nenhum estudo científico que assegure essa presença do Alter do Chão no subsolo acreano. “Nós não temos estes limites [do aquífero] ainda definidos. Isto é suposto. Eu não posso pensar em fazer uma perfuração de mil metros com base em suposições. Eu precisava fazer esse gasto com a certeza que iria encontrar essa realidade”, diz Mesquita.

De acordo com ele, pesquisas realizadas nas décadas de 1970 e 1980 já apontavam que a formação geológica da região onde está o Acre não é propícia para o acúmulo de água subterrânea. “Foi identificado que a geologia do Acre é extremamente densa, com um teor de argila muito alto. E em argila não se concentra água. Os estudos identificaram que a camada argilosa no Acre chega a quatro mil metros. Isso se dá por conta do soerguimento da cadeia montanhosa dos Andes.”

O geógrafo afirma que uma das características da argila é a sua impermeabilidade, impedindo a passagem da água para o subsolo. “Então, já em décadas passadas, estes estudos identificaram que a região não tem água subterrânea com suficiência para abastecer uma cidade”, ressalta ele.

Quem propôs essa ideia ao Bocalom, afirma Mesquita, não pesquisou os estudos feitos. Ele considera a perfuração de tais poços um desperdício, representando desgastes de recursos humanos, financeiros e ambientais. “Para mim é um tiro no pé. Ele não deveria fazer isso porque o processo é doloroso, vai ser muito criticado Vai ser doloroso no sentido ambiental, muito gasto financeiro, de material e isso não vai ter retorno para a população”, comenta.

Com a inviabilidade de se abastecer a capital a partir de fontes subterrâneas e um rio Acre que a cada período de verão amazônico alcança níveis críticos de vazante, colocando em risco o fornecimento de água potável para metade da população acreana, existe alguma alternativa? Para Claudemir Mesquita, o rio Iquiri pode servir como um plano B para a segurança hídrica das cidades do Baixo Acre.

Rio Iquiri: o plano B

Quase que um “irmão” do rio Acre (Aquiry) – ambos são afluentes do Purus – o Iquiri é um manancial cujas margens estão menos antropizadas. Ao contrário do Aquiry, bastante pressionado pelo desmatamento e a ocupação das margens por fazendas de gado e comunidades ribeirinhas, o Iquiri sofre menos impactos nos meses secos. Todavia, destaca o professor, é preciso garantir a preservação das nascentes do rio, que se encontra dentro do próprio estado, na região de Capixaba.

O Iquiri pode não garantir o abastecimento de toda Rio Branco, mas ao menos os bairros do Segundo Distrito. “Se a gente começar hoje a recuperar as nascentes do Iquiri ele vai fornecer água para a gente por algum tempo, por muito tempo, se for feito um trabalho conjunto, consórcio, [entre as prefeituras] de Rio Branco, Quinari e Capixaba”, recomenda Mesquita.

Para o especialista em bacia hidrográfica, a prioridade, porém, continua sendo a recuperação urgente da mata ciliar do rio Acre. “Eu já estou há anos batendo neste assunto, entra governo, sai governo, e ninguém planta uma árvore na margem do rio Acre, a proteção dos barrancos, dos afluentes como o riozinho do Rola e o Xapuri. Esses daí estão sendo degradados a rodo, o desmatamento.”

Enquanto isso, os moradores destas bandas do sul da Amazônia ocidental se preparam para enfrentar mais um verão amazônico rigoroso. A previsão dos efeitos de um El Ninõ de forte intensidade tende a agravar ainda mais a situação. Nesta segunda metade de junho, o rio Acre já está abaixo dos três metros – isso após a capital ter sido afetada pela terceira maior enchente do manancial em cinco décadas. A tendência é de mais crise hídrica, ao menos até outubro. Desde 2020 comunidades rurais do município precisam ser atendidas pela distribuição de água em caminhões-pipas, já que fontes como poços e açudes secam.

Até lá não temos plano B. A nossa única fonte de água é o desmatado e bastante maltratado rio Acre – ou Aquiry. O resto é rezar para que os deuses da floresta enviem águas dos céus. Já que não temos rios na terra, que ao menos os voadores nos acudam.


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